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A pauta da anistia e o desgaste da direita brasileira

Para Fabio Cruz, que também é professor e doutor em Direito, pautas como anistia “ampla, geral e irrestrita” e “PEC da Blindagem” estão distantes das principais preocupações da maioria dos brasileiros

Por Rodrigo Costa

A pauta da anistia “ampla, geral e irrestrita” aos condenados pelos ataques do dia 8 de janeiro de 2023 na Praça dos Três Poderes, em Brasília, continua sendo uma das principais bandeiras levantadas por políticos de extrema direita e apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

Nesta terça-feira (7), eles promoveram uma manifestação na capital federal, denominada Caminhada pela Anistia, para exigir a aprovação do PL da Anistia em vez do chamado “PL da Dosimetria”, que prevê a redução da pena a esses condenados e tem sido proposto pelo relator da matéria na Câmara, deputado Paulinho da Força (Solidariedade-SP).

No entanto, para o professor Fabio Cruz, teólogo e doutor em Direito, insistir em pautas ideológicas como essa contribui para um desgaste ainda maior da imagem da direita brasileira perante grande parte da população. Para ele, focar em temas que influenciam diretamente no cotidiano das pessoas causaria um impacto mais positivo.

Manifestantes pedem por anistia aos envolvidos no 8 de Janeiro. Foto: Joédson Alves/Agência Brasil

“Na minha avaliação, a direita poderia se reposicionar se abandonasse o discurso identitário que, em certa medida, espelha o da esquerda, apenas em direção oposta, e passasse a tratar com mais ênfase dos temas que realmente mobilizam o eleitor comum: segurança pública, emprego, renda, saneamento básico, educação e qualidade de vida”, afirma.

“Na correria do dia a dia, a maioria dos brasileiros está concentrada em questões concretas: melhorar de vida, oferecer boa educação aos filhos, reformar a casa, sair do aluguel, ter uma alimentação mais digna e algum acesso ao lazer. Pautas como a ‘anistia ampla, geral e irrestrita’ ou a ‘PEC da Blindagem’ estão distantes dessas preocupações e, ao insistir nelas, a direita corre o risco de se afastar ainda mais dos reais anseios da população”, completa Fabio Cruz.

Na visão do teólogo, que hoje atua como professor em Bruxelas, na Bélgica, algumas posições adotadas por políticos conservadores tem provocado um efeito contrário e, ao invés de fortalecer, acabam enfraquecendo a imagem da direita como um todo.

Como consequência, a imagem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que até pouco tempo estava desgastada com a opinião pública — fato que era comprovado por pesquisas de opinião, que indicavam um índice de reprovação cada vez maior ao mandatário brasileiro —, passou a melhorar ultimamente.

“Lula tem se fortalecido nos últimos meses em parte pela própria atuação da direita. A defesa da chamada ‘PEC da Blindagem’, somada às críticas de vários parlamentares conservadores à isenção do Imposto de Renda para quem recebe até R$ 5 mil, provocou desgaste entre os setores populares. Além disso, o apoio explícito de figuras da direita brasileira às sanções ao Brasil pelo ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, reforçou a percepção de distanciamento entre esses líderes e os interesses do povo. Nesse contexto, Lula conseguiu resgatar um discurso de soberania e orgulho nacional, tradicionalmente associado à defesa da independência política e econômica do país”, destacou.

Soma-se isso a conquistas do próprio governo, como a aprovação, na Câmara dos Deputados, da ampliação da faixa de isenção do imposto de renda a trabalhadores que recebem até R$ 5 mil — como destaca Fabio Cruz, uma medida de impacto direto sobre o cotidiano de milhões de pessoas. “Essas pautas dialogam com as preocupações mais imediatas da população”.

Alternativas da direita para 2026

Diante do fortalecimento de Lula em um momento em que se avizinham as eleições de 2026, cabe à direita buscar uma alternativa que possa competir com a popularidade do atual presidente. Nesse sentido, um nome forte visto pelo professor é o do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos). Porém, ele declarou recentemente que não tem a intenção de disputar o Palácio do Planalto no ano que vem e pretende concorrer à reeleição ao governo paulista.

"Direita deveria se preocupar com temas que mobilizam o eleitor", afirma teólogo
Fabio Cruz é evangélico, teólogo e doutor em Direito pela PUC-PR. Atualmente atua como professor em Bruxelas, na Bélgica. Foto: Reprodução

“Além de ter sido ministro de Bolsonaro e de atualmente governar o estado mais importante do país, do ponto de vista econômico, Tarcísio mantém vínculos com o bolsonarismo, mas adota um discurso ligeiramente mais moderado. Essa postura o coloca em posição estratégica para atrair eleitores de perfil conservador, mas também parte do eleitorado de centro, que se afastou de Bolsonaro após os episódios de radicalização. Tarcísio também tem boa comunicação com grandes empresários e com o setor da Faria Lima, que atualmente veem seu nome com bons olhos”, ressalta.

Porém, ele acredita que o ex-presidente, que atualmente está inelegível, tende a apoiar a candidatura de um de seus filhos à Presidência da República. Outro nome cogitado é o da ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, que tem boa aceitação por grande parte do público evangélico, especialmente o feminino.

“Entre os nomes mais diretamente ligados à família Bolsonaro, o ex-presidente provavelmente buscará apoiar alguém de sua confiança. Nesse sentido, Flávio Bolsonaro tende a ser o nome mais viável para receber essa ‘bênção’, especialmente diante do desgaste de Eduardo Bolsonaro após o episódio do ‘tarifaço’ e das sanções impostas por Donald Trump. Além disso, a situação jurídica de Eduardo deve se complicar, já que ele poderá responder a acusações relacionadas à tentativa de obstrução da Justiça e à coação no curso de processos. Michelle Bolsonaro, por sua vez, desponta como uma alternativa interessante. Ela se comunica bem com o público evangélico e com o eleitorado feminino, segmentos decisivos em qualquer eleição presidencial no Brasil. No entanto, acredito que Jair Bolsonaro tenderá a delegar essa missão a um de seus filhos, mantendo o comando político com um de seus herdeiros”.

Futuro político de Jair Bolsonaro

Sobre o futuro do ex-presidente, Fabio Cruz acredita que dificilmente ele voltará a concorrer a algum cargo público. Bolsonaro está inelegível até 2030 por ter sido condenado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por abuso de poder político e econômico.

"Direita deveria se preocupar com temas que mobilizam o eleitor", afirma teólogo
Jair Bolsonaro foi condenado a 27 anos e três meses de prisão pelo STF, em setembro. Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

Porém, como foi condenado a 27 anos e três meses de prisão por uma série de crimes, entre eles suposta tentativa de golpe de Estado, o ex-presidente pode ficar inelegível pelos próximos 35 anos — uma vez que, pela Lei da Ficha Limpa, quem é condenado por decisão judicial colegiada fica impedido de disputar as eleições pelo prazo de oito anos após o cumprimento da pena.

Ainda assim, segundo o professor, a imagem de Bolsonaro segue sendo referência para a direita brasileira.

“Do ponto de vista eleitoral, é improvável que Bolsonaro volte a concorrer. Além da condenação por tentativa de golpe, ele acumula outras duas decisões do Tribunal Superior Eleitoral (TSE): uma referente à reunião com embaixadores, no Palácio da Alvorada, em que atacou o sistema eletrônico de votação, e outra pelo uso político das comemorações de 7 de setembro de 2022. Mas, mesmo inelegível, Bolsonaro permanecerá como um ator relevante no cenário político brasileiro. Sua capacidade de influenciar eleitores, orientar candidaturas e legitimar novos líderes faz com que ele continue a exercer papel central na articulação da direita e na manutenção do movimento bolsonarista, mesmo cumprindo prisão”, frisou.

O professor acrescenta: “Vejo que o movimento bolsonarista se consolidou como uma força política no Brasil, independentemente da presença de Jair Bolsonaro nas próximas eleições. Por isso acredito que essa força não se dissipará num futuro próximo. Uma parcela expressiva da população encontrou nele um líder capaz de representar suas frustrações e aspirações, algo semelhante ao vínculo simbólico que parte do eleitorado de esquerda mantém com Lula desde os anos 1980. É importante reconhecer que tanto a direita quanto a esquerda brasileiras não são blocos homogêneos; ainda assim, há setores que se identificam fortemente com essas lideranças carismáticas e nelas depositam sua confiança política”.

Fabio Cruz lembra que a figura de Bolsonaro surgiu com maior destaque na política brasileira após as manifestações de 2013, quando o fortalecimento da direita contemporânea começou a ganhar corpo. Segundo ele, a combinação entre insatisfação popular, crise de representatividade e a amplificação proporcionada pelas redes sociais criou um terreno fértil para o crescimento de um discurso antissistema.

“Muitos brasileiros sentiram que a democracia não estava respondendo às suas expectativas. Emergiu então um sentimento de frustração com governos que prometiam inclusão e prosperidade, mas que, aos olhos de parte da população, não conseguiram entregar plenamente esses resultados”, lembrou.

“Bolsonaro soube canalizar essas insatisfações, oferecendo um discurso que ressoava com valores caros a esse público, especialmente no que diz respeito à segurança pública, ao combate à corrupção e à valorização do empreendedorismo individual. Essa narrativa encontrou eco em uma visão de mundo que associa sucesso econômico ao mérito pessoal e desconfia das políticas promovidas pelo Estado. O crescimento das igrejas evangélicas, em especial daquelas que enfatizam bênçãos materiais, reforçou a associação de bênçãos divinas à conquista material e à disciplina individual. Esse entrelaçamento entre religião, valores morais e discurso político contribuiu para consolidar um campo conservador que hoje constitui uma base importante da nova direita brasileira”, finalizou.

Fonte do Conteudo: Nathanael Rodor – esbrasil.com.br

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